Hécate é uma deusa poderosa e enigmática da mitologia grega, associada à magia, à noite e às encruzilhadas. Seu culto remonta a períodos pré-helênicos, e ela é frequentemente retratada como uma divindade das encruzilhadas. Guardiã das chaves que abrem os caminhos entre mundos, Hécate também é a protetora das bruxas, das almas perdidas e dos viajantes. Sua figura foi sincretizada com várias culturas ao longo dos séculos, reforçando seu papel como uma guia espiritual e uma ponte entre o visível e o invisível.
Por mais que sua imagem foi muito deturpada ou desfigurada, sua presença nunca foi esquecida.

Qual a gênesis ?

Aqui começamos as discussões cabeludas, enigmas e faltas de certeza pela corrosão do tempo.
Primeira coisa que necessitamos é saber do mapa local.
Na Grécia Antiga, o conceito de “nação” não existia como o conhecemos hoje. Cada cidade-estado grega era independente e soberana, desenvolvendo sua própria política e cultura. Essas cidades, como Atenas, Esparta e Corinto, situavam-se principalmente ao longo do litoral do Mar Mediterrâneo e eram fortemente dependentes do comércio marítimo para suprir as necessidades que não conseguiam produzir internamente. O mar era a principal via de conexão entre essas cidades, impulsionando o processo de expansão e colonização grega.

A colonização grega se estendeu por diversas regiões do Mediterrâneo e da Ásia Menor, como a Anatólia e o sul da Itália. Esse processo de colonização trouxe consigo um intenso intercâmbio cultural, filosófico e religioso. À medida que os gregos se estabeleciam em novos territórios, entravam em contato com culturas e tradições locais, resultando em uma troca de ideias e crenças espirituais.

Um exemplo importante desse intercâmbio cultural ocorreu com o avanço do Império Macedônio sob Alexandre, o Grande. Após a unificação da Grécia sob o domínio macedônio, Alexandre expandiu seu império, conquistando territórios até o Egito e a Pérsia. Durante esse período, houve uma fusão entre as tradições gregas e as de outras culturas, como a egípcia. O sincretismo religioso foi uma característica marcante dessa época, com deuses gregos sendo associados a deuses egípcios e de outras culturas, criando uma rica tapeçaria espiritual que influenciou a forma como os gregos viam seus próprios mitos e divindades, incluindo Hécate.

Esse contexto histórico é essencial para entender como figuras mitológicas como Hécate não surgiram isoladamente, mas foram moldadas por influências externas e por um processo constante de transformação cultural.

Localização

A deusa Hécate tem uma origem envolta em mistério, sendo mencionada pela primeira vez na TEOGONIA de Hesíodo, por volta dos séculos VIII-VII a.E.C. Hesíodo a descreve como uma deusa poderosa, ligada tanto à terra quanto ao céu e ao mar. Embora sua figura seja envolta em poder, ela não possui mitos próprios como muitas outras divindades do panteão grego, sendo mais conhecida por sua presença no mito do rapto de Perséfone e por seu papel na Titanomaquia, a guerra dos Titãs.

O culto a Hécate começou a se espalhar pela Grécia entre o final do século VI e o início do V a.E.C., em regiões próximas ao Mar Egeu, durante o auge da colonização grega. Santuários dedicados à deusa começaram a aparecer em lugares como Atenas, e a inscrição mais antiga em seu nome data do século VII a.E.C., no templo de Apolo Delfínio, onde Hécate é mencionada em um altar* como a deusa das encruzilhadas, um papel crucial em sua simbologia. O santuário mais famoso de Hécate fica em Lagina, datado entre os séculos III e I a.E.C., embora a região já mostrasse sinais de ocupação humana desde a Idade do Bronze.

No decorrer dos séculos, Hécate começou a ser representada com atributos simbólicos de outras culturas orientais, como colunas e leões, semelhantes à deusa Cibele. Ela também era vista como uma jovem donzela, usando uma túnica que destacava sua pureza e juventude, diferente de outras figuras mais maternais ou guerreiras do panteão.

A imagem tríplice de Hécate, tão comum em representações modernas, surgiu no século V a.E.C., atribuída ao escultor Alcamenes, mas sua estátua tríplice nunca foi encontrada. Antes disso, Hécate era representada com um único corpo, como a estátua mais antiga já encontrada, datada do século VI a.C., que a retrata sentada em um trono. Outra imagem icônica é a da “donzela em fuga”, descoberta em Elêusis do século V a.E.C., capturando sua essência ágil e misteriosa.

A diferença entre Anatólia e a Tessália

Hoje vemos pessoas discutindo a origem da Deusa e dando certeza quanto a localização dos primeiros achados, quando na verdade os estudiosos não possuem certeza de qual época e região a Deusa se originou. Mas as principais discussões são entre duas regiões.

A Tessália e a Anatólia são duas regiões distintas em termos geográficos, culturais e históricos, e ambas têm relevância na trajetória de Hécate.

Anatólia

A Anatólia, também chamada de Ásia Menor, corresponde à maior parte da Turquia atual e foi o lar de várias civilizações, como os hititas, gregos e romanos. Essa região, localizada entre o Oriente e o Ocidente (lugar limítrofe), era um ponto estratégico para o comércio e o intercâmbio cultural. Em Lagina, na Anatólia, Hécate possuía um importante santuário e templo que floresceu entre os séculos III a.E.C. Lagina se tornou um dos centros mais significativos para o culto de Hécate, onde ela era reverenciada como uma deusa protetora e poderosa.
De acordo com a escritora Marcia C.Silva o templo foi construído com pedras e seguia um padrão de arquitetura grega chamado pseudodíptero. Possuía forma retangular, rodeado de 34 colunas. No centro, temos o naos (ou cela), que era o “coração” do templo, onde os rituais eram realizados. No interior do naos foi encontrado um bothros, uma espécie de fossa para libações e sacrifícios, ou seja, a Deusa já era associada ao aspecto de deusa do submundo.

Excavations of the Temple of Hekate in Lagina Ancient City, Yatagan, Mugla, Turkey

Tessália

A Tessália, localizada na Grécia continental, mar mediterrâneo, o que seria uma parte da Itália, era uma região montanhosa com amplas planícies férteis. Conhecida por sua criação de cavalos e seu papel nas guerras gregas, Tessália tinha uma cultura fortemente ligada aos mitos e heróis como da bruxa Medeia. Lá em Pherai (Tessália), de acordo com a arqueóloga Catherine Morgan, há
vestígios de um templo construído à deusa Enodia (um dos epítetos de Hekate) no ano 300a.E.C., mas há fundações mais antigas no mesmo templo que indicam a construção de um templo no século VIII a.E.C.. A pesquisadora afirma que o culto à Enodia era realizado em Pherai, assim como indica que esta divindade local mais tarde foi associada à Hekate e Deméter. Essa mesma divindade, por sugestão de seu nome (Enodia ο “na estrada”), apresenta relação com as estradas, as mesmas cujas margens se tornam espaços sagrados de sepultamento na Tessália, implicam à deusa uma relação com o Mundo dos Mortos, atributos também a Hekate no período Clássico.

O pesquisador Rudloff aponta para a associação entre a deusa de Pherai e a deusa Hekate no século V a.E.C.. Nesta relação, Hekate seria, de acordo com alguns estudiosos, a “proprietária original” do epíteto Enodia e, esta fusão teria ocorrido antes ou durante o V século a.E.C.. Rudloff nos chama a atenção para a conexão com a magia e ervas que as mulheres da Tessália apresentam, é só lembramos dos Mitos de Medeia e de Circe que usavam ervas e magia.

Essas duas regiões mostram a diversidade do culto de Hécate, que assumia características locais: na Tessália, ela estava associada ao mundo das estradas e dos mortos, enquanto na Anatólia, seu culto foi amplificado com símbolos e influências orientais e ocidentais.

Conclusão

A origem de Hécate é envolta em mistérios e camadas de transformações culturais ao longo dos séculos. As primeiras menções à deusa surgem na Teogonia de Hesíodo, mas seu culto pode ser ainda mais antigo, influenciado por tradições pré-gregas e orientais, como os exemplos encontrados na Anatólia e na Tessália. Sua presença em diferentes regiões, com atributos e títulos distintos, mostra que Hécate não pode ser limitada a um único local ou período.

É importante abordarmos sua história com cautela, evitando afirmar certezas absolutas sobre sua origem, pois a deusa passou por diversas adaptações e fusões com outras divindades ao longo do tempo. Essa complexidade só reforça sua relevância como uma figura poderosa e multifacetada. Hécate transcende fronteiras culturais e temporais, sendo uma deusa que, ao mesmo tempo, caminha entre o antigo e o novo, a luz e a escuridão, o visível e o invisível. Ela é a guardiã dos limiares, uma figura de mistério e poder que continua a inspirar e fascinar até os dias de hoje.

*https://transformauj.com.br/wp-content/uploads/2022/06/REFLEXOES-SOBRE-O-ARQUETIPO-DA-BRUXA.pdf
Silva, Marcia C.. Bruxaria Hekatina: O Caminho da Bruxa com a Deusa Hekate (p. 22). Edição do Kindle.
Silva, Marcia C.. As Faces de Hekate: O Poder dos Epítetos na Bruxaria Hekatina
https://www.academia.edu/8075700/Hekate_de_deusa_ct%C3%B4nica_dos_atenienses_do_per%C3%ADodo_cl%C3%A1ssico_%C3%A0_deusa_da_feiti%C3%A7aria_no_imagin%C3%A1rio_social_do_Ocidente

IMAGEM
Enodia the ancient Macedonia with torch, horse and dog

https://pt.wikipedia.org/wiki/H%C3%A9cate#/media/Ficheiro:Pergamonaltarhekate.jpg


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